Poema chamado Nota sobre Corpora de Murilo Mendes é genial
Nota sobre Corpora é um poema do autor brasileiro Murilo Mendes. Presente em sua poesia completa, é uma escrita sensacional e merece ser lida com muito apreço.
Além do poema Mapa, esse também cativou minha admiração. E como amante de boas histórias, espero fazer o mesmo com você. Leia Nota sobre Corpora abaixo. Você vai amar a leitura!
Nota sobre Corpora
Corpora superou a fase polêmica da sua pintura. Superou a destruição de um espaço físico para criar dialeticamente uma série de pequenos universos que se abrem e se fecham, matérias que de um quadro para outro mudam suas iluminações, manifestam sua linguagem pessoal, afirmando-se como organismos adultos.
Porque na verdade Corpora vê o quadro como um organismo. Ora, um organismo recebe sua identificação da luz. Que seria a matéria sem a luz?
As constelações plásticas de Corpora propõem a passagem de um estado larvar a um estado dinâmico em que as cores são traduzidas, revelando uma clarificação da visão do pintor, não mais escravo dos elementos emotivos, mas estabelecedor de equivalência entre matéria e forma.
Por aí se vê que Corpora opera uma espécie de conversão do espaço a uma categoria nova, com uma vitalidade onde rosas, azuis, negros e verdes funcionam à maneira de metáforas plásticas. Que significa isto? Significa que o pintor transformou a natureza através da sua consciência, pelo que a obra de arte adquire autonomia e se constitui sua própria fábula.
Vejo realizada nos últimos quadros de Corpora essa auto-determinação em que o signo mágico e o concreto se reconhecem reciprocamente; quadros em que os andaimes, as marcas sensíveis da elaboração material desaparecem:
chega-se a essa poderosa última etapa em que o quadro se revela, colocando-se acima da sensibilidade do artista.
Mas a criatura não destruirá o criador
Porque o criador não conhece apenas le lieu et la formule; conhece também as possibilidades de ataque da tela, e resiste à tentação sibilina do mito. Despistando as ciladas de certa matéria refinada em excesso, passa a uma ordem sólida, estrutural, a uma sintaxe rigorosa que não impede a comunicação.
Falar de solidez significa aceitar a continuidade de uma tradição histórica na pintura de Corpora. Uma tal continuidade resistirá às roturas, às vezes violentas, operadas pelo pintor? Penso que sim, porque tais roturas conduzem justamente a uma situação nova, que jamais exclui a preocupação com uma ordem plástica.
Diria mesmo que este é o aspecto fundamental da missão de Corpora: manter a integridade da pintura após o exame crítico dos valores que sustentavam a ordem estética anterior. Eis uma verdadeira operação de síntese em que a visão cotidiana e a feérica se manifestam finalmente reconciliadas.
Roma, dezembro 1959