Carta de Bukowski de 1954 é Atual Demais para Não Ser Lida
Charles Bukowski, um dos poetas e escritores mais controversos e influentes do século XX, deixou um legado de obras marcadas por sua visão crua e realista da vida.
Entre suas produções, as cartas pessoais revelam muito sobre sua personalidade e suas lutas. Acredite, lendo elas, me fez nascer a ideia de que Bukowski não era uma pessoa tão ruim assim, os lados bons, principalmente com poetas iniciantes, eram brilhantes!
Em uma carta escrita em 25 de agosto de 1954 para Whit Burnett, Bukowski compartilha suas frustrações e reflexões sobre o estado das artes e da sociedade na época.
A coisa é tão intensa, consegui captar um lamento tão atual, que resolvi compartilhar com bons leitores. Abaixo, você confere a carta completa e uma reflexão sobre seu conteúdo nos dias atuais.
Para Whit Burnett, 25 de agosto de 1954
Lamento saber, por meio de uma papeleta que me foi enviada de Smithtown dois meses atrás, que a Story deixou de existir.
Mandei outro conto por essa época chamado “A história do estuprador”, mas não tive retorno. Está por aí?
Sempre vou me lembrar da velha revista laranja com a tira branca. De alguma forma, eu sempre tivera a ideia de que podia escrever qualquer coisa que quisesse, e, se fosse algo bom o bastante, entraria.
Nunca tive essa ideia olhando para nenhuma outra revista, e sobretudo hoje, quando todo mundo sente esse medo tão desgraçado de ofender ou dizer qualquer coisa contra qualquer pessoa – um escritor honesto fica num apuro infernal.
Quero dizer, você se senta para escrever e sabe que não adianta nada. Tem um monte de coragem que sumiu agora, e um monte de fibra e um monte de clareza – e um monte de Talento Artístico também.
No meu jeito de ver, foi tudo por água abaixo com a Segunda Guerra Mundial
E não só as Artes. Até os cigarros não têm mais o mesmo gosto. Tamales. Chili. Café. Tudo é feito de plástico. O rabanete não tem mais aquele sabor acentuado. Você descasca um ovo e, invariavelmente, o ovo sai grudado na casca. As costeletas de porco são pura gordura e cor-de-rosa.
As pessoas compram carros novos e mais nada. Essa é a vida delas: quatro rodas. As cidades só ligam um terço da iluminação pública para poupar eletricidade.
Os policiais distribuem multas que nem loucos. Os bêbados são penalizados em somas atrozes, e quase todo mundo que bebe um pouco fica bêbado. Os cães devem ser contidos por coleira, os cães devem ser vacinados.
Você precisa ter uma licença de pesca para pegar peixe-rei com as mãos, e gibis são considerados perigosos para crianças. Homens assistem a lutas de boxe sentados em suas poltronas, homens que nem faziam ideia do que era uma luta de boxe, e, quando discordam de uma decisão, escrevem cartas vis e clamorosas aos jornais, em indignado protesto.
E contos: não há nada: nenhuma vida. […]
A Story tinha um significado para mim. E acho que ver seu desaparecimento faz parte da rotina do mundo, e me pergunto: em seguida vai ser o quê?
Eu me lembro de quando costumava escrever e lhe mandar quinze ou vinte ou mais histórias por mês, e depois três ou quatro ou cinco – e principalmente, no minimo, uma por semana. De Nova Orleans e Frisco e Miami e L.A. e Philly e St. Louis e Atlanta e Greenwich Village e Houston e tudo que é lugar.
Eu costumava me sentar junto a uma janela aberta em Nova Orleans e olhar lá embaixo as ruas noturnas do verão e tocar aquelas teclas, e, quando vendi minha máquina de escrever em Frisco para ficar bêbado, não consegui parar de escrever, e tampouco consegui parar de beber, então imprimi à mão a minha merda por anos, e posteriormente decorei a mesma merda com desenhos para fazer você prestar atenção.
Bem, segundo me dizem, não posso beber agora, e arranjei outra máquina de escrever. Arranjei uma espécie de emprego agora, mas não sei por quanto tempo vou aguentar nele.
Estou fraco e fico doente fácil, e me sinto nervoso o tempo todo e acho que tenho alguns curtos-circuitos em algum lugar, mas desse jeito eu sinto vontade de tocar as teclas de novo, tocá-las e fazer frases, um palco, um arranjo, fazer gente andar e falar e fechar portas. E agora não tem mais a Story.
Mas quero lhe agradecer, Burnett, por me tolerar. Sei que uma grande parte era fraca. Mas aqueles eram tempos bons, os tempos de 438 Fourth Ave. 16, e agora, como todas as outras coisas, os cigarros e o vinho e os pardais vesgos na meia-lua, tudo se foi. Uma tristeza mais pesada que piche.
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