Clarice Lispector, em sua escrita única e introspectiva, mergulha em reflexões sobre os aspectos mais profundos e contraditórios da natureza humana.
Em um texto que se desvia da linearidade convencional, ela nos convida a pensar sobre o charlatanismo presente em cada um de nós.
Com sua habilidade característica de desafiar normas e explorar as sombras da alma, Clarice não apenas aborda a charlatanice em si, mas também os limites tênues entre o mau gosto, a sinceridade e a busca pela verdade.
Concordei. Sinto em mim a charlatã me espreitando. Só não vence, primeiro porque não é realmente verdade, segundo porque minha honestidade básica até me enjoa.
Há outra coisa que me espreita e que me faz sorrir: o mau gosto. Ah, a vontade que tenho de ceder ao mau gosto. Em quê? Ora, o campo é ilimitado, simplesmente ilimitado.
Vai desde o instante em que se pode dizer a palavra errada exatamente quando ela cairia pior – até o instante em que se diriam palavras de grande beleza e verdade quando o interlocutor está desprevenido e levaria um susto de constrangimento, e haveria o silêncio depois.
Em que mais? Em se vestir, por exemplo. Não necessariamente o óbvio do equivalente a plumas. Não sei descrever, mas saberia usar um mau gosto perfeito. E em escrever? A tentação é grande, pois a linha divisória é quase invisível entre o mau gosto e a verdade.
E mesmo porque, pior que o mau gosto em matéria de escrever, é certo tipo horrível de bom gosto. As vezes, de puro prazer, de pura pesquisa simples, ando sobre a linha bamba.
Como é que eu seria charlatã? Eu fui, e com toda a sinceridade, pensando que acertava. Sou, por exemplo, formada em direito, e com isso enganei a mim e aos outros.
Não, mais a mim que a todos. No entanto, como eu fui sincera: fui estudar direito porque desejava reformar as penitenciárias do Brasil.
Que é mesmo o que estou dizendo? Era uma coisa, mas já me escapou. O charlatão se prejudica? Não sei, mas sei que às vezes a charlatanice dói e muito. Imiscui-se nos momentos mais graves.
Dá uma vontade de não ser, exatamente quando se é com toda a força. Não posso infelizmente me alongar mais nesse assunto.
Disseram-me que um crítico teria escrito que Guimarães Rosa e eu éramos dois embustes, o que vale dizer dois charlatões. Esse crítico não vai entender nada do que estou dizendo aqui.
É outra coisa. Estou falando de algo muito profundo, embora não pareça, embora eu mesma esteja um pouco tristemente brincando com o assunto.
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