Crônica: Com todos os meus pesos (Amanda Ferraz)

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Eu não quero andar devagar como se os pesos sobre minhas costas estivessem me impedindo de avançar para onde realmente deveria. Uma corrida. Um pedágio de dores que vão sem fim. Uma passada frenética para um infinito que é alcançável, imparável.

Ninguém se concentra apenas nas frases bonitas das redes sociais e nas razões para seguir em frente. Não basta. Não há quem vá. Há a solidão amparada na necessidade dos que te fazem revirar noites pensando no que fez ou deixou de fazer. O físico machucado não chora mais. As marcas que saem com 7 dias, as câimbras que se disfarçam, os calos que machucam, o galo que não deixa a cabeça repousar para um descanso, o pulmão que inspira por parcela, coração partido por uma falsídia calejante, pulsante. Só a alma dói. O sentimento sentido por dissimulações. Somente o que paira no pensar é quem fica aos prantos.

É um caminho que precisa ser seguido por mais de um e que só pode ser traçado pela solidão. Um caminho para seguir que é apenas uma mísera parcela do todo, que sem outra pessoa não me deixa seguir o que está traçado para mim sozinha. O solo da própria justiça e valor. Os avanços que ganho por puro mérito.

Não me importo mais se há um que se consola com a estabilidade que não sova. O que agride é ver os anos chegarem para esse mesmo, a ilusão que massageia o ego com aquilo que se diz ser suficiente. Então, lhe deixo controlar. Abro mão do que me faria andar mais depressa, aceito o não correr e pego mais uma vez os pesos que deveriam estar derramados nos caminhos já percorridos.

Mas seria isso a essência do “seguir em frente”? O que não me faz avançar merece uma chance para o desperdício de quem ainda não percebeu que é preciso correr ao invés de andar em bocejos? Não quero retroceder ao início nem reduzir o ritmo para pensar nas necessidades de recuperação. Elas foram superadas com sucesso.

Então, pego todos os pesos que sempre permaneceram sob minhas costas, coloco-os onde sempre estiveram e volto a correr. Se haverá fadiga, irei com a fadiga mais extrema que conheço. O choro da alma sem lágrimas é sempre esquecido quando o corpóreo sangra de outras formas. Não há tempo para pensar demais. Só há espaço para o suor derramado pelo normal: o correr para minha própria trajetória de final de vida.

Poderia aceitar qualquer coisa que me desse se houvesse uma mão estendida para o que realmente importa. Mas não há. Deveria ter soltado mais, deixado ir, deixado levar, ter dado as costas, me deixar levar. Deveria ter aquecido mais, prendido mais, apertado mais. Ter deixado em uma guarda eterna seria mais fácil para mim. Se eu quiser, jamais seria capaz de sair dali.

Só que os questionamentos que estão sob os ombros escorrem pelos pés, viram água e sobem pelo calcanhar até me deixar na desmotivada missão de apenas sobreviver mais um dia. De não morrer com os sonhos. O sobreviver. Aceitar que as cores da próxima fase são meras consequências que não merecem tanta vigília indomada.

Não há mãos em uma corrida arredia de mão única. O que preciso apreender é que as cores para mim um dia precisarão mudar em sua essência e o todo precisa ser caminhado. Todos os pequenos passos ao lado de outros pares de pernas serão apenas os superados para o trajeto final. E quando os anos passarem, ainda que o preto seja sobreposto ao claro, a corrida ainda vai precisar continuar.

É o meu caminho silencioso, o meu correr em passos largos, as minhas dores coletadas e os pesos nos ombros que sempre existirão, os que me farão correr ainda mais depressa.

Um dia essa corrida apareceu na minha vida, agora, a minha vida não faz mais sentido se isso tudo não estiver ativo. Caso contrário, só me faria sentido o agora para no agora morrer e descansar no fácil.

Essa crônica é autoral.

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