Desabafo de Charles Bukowski – 23/06/92

Esse trecho é um belíssimo desabafo de Charles Bukowski, foi escrito em seu diário no dia 23/06/92 e é uma leitura muito forte. Leia e sinta a comoção tomar conta de suas reflexões.

Mais desabafo de Charles Bukowski

Provavelmente, escrevi mais e melhor nos últimos dois anos do que em qualquer época da minha vida. É como se, depois de cinco décadas fazendo isso, chegasse mais perto de realmente fazê-lo.

Mesmo assim, nos dois últimos meses, comecei a sentir um certo cansaço. O cansaço é quase físico, mas também é um pouco espiritual. Pode ser que eu esteja pronto para entrar em decadência.

É um pensamento horrível, é claro. O ideal seria continuar até o momento da minha morte, não desbotar. Em 1989, superei uma tuberculose. Este ano, operei um olho que ainda não está bom. E dor na perna, calcanhar e pé direitos.

Coisas pequenas…

Pedaços de câncer de pele. A morte mordendo meus calcanhares, deixando que eu saiba. Sou um saco velho, é isso. Bem, não poderia beber até morrer. Cheguei perto, mas não aconteceu. Hoje, mereço viver com o que restou.

Bem, não escrevo há três noites. Devo enlouquecer? Mesmo em meus piores momentos, posso sentir as palavras borbulhando dentro de mim, ficando prontas.

Não estou numa competição

Nunca quis fama ou dinheiro. Quis escrever do jeito que queria, só isso. E tive que escrever ou ser tomado por algo pior que a morte. Palavras não como preciosidades, mas como necessidades.

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No entanto, quando começo a duvidar da minha capacidade de trabalhar a palavra, simplesmente leio outro escritor e então sei que não tenho com o que me preocupar. Minha competição é só comigo mesmo: fazer direi-to, com poder, força, deleite e risco. Se não, esqueça.

Tenho sido sábio o suficiente para permanecer isolado. Os visitantes são raros nesta casa. Meus nove gatos correm como loucos quando um humano chega. E minha mulher também está ficando cada vez mais como eu. Não quero que seja assim. É natural para mim. Mas para Linda, não. Fico feliz quando ela pega o carro e sai pra encontrar pessoas.

Afinal, tenho meu maldito hipódromo

Posso sempre escrever sobre o hipódromo, aquele grande buraco vazio de lugar nenhum. Vou lá para me sacrificar, mutilar as horas, assassiná-las. As horas devem ser mortas. Enquanto você está esperando.

As horas perfeitas são as que passo nesta máquina. Mas você tem que ter horas imperfeitas para ter as perfeitas. Você tem que matar dez horas para que duas vivam.

O que você tem que cuidar é para não matar TODAS as horas, TODOS os anos.

Você se determina a ser um escritor fazendo coisas instintivas que alimentam você e a palavra, que te protegem contra a morte em vida. É diferente para cada um. E, para cada um, muda. Uma época, significava pra mim beber muito, beber até a loucura. Afiava a palavra para mim, a trazia à tona.

E eu precisava do perigo

Precisava me colocar em situações perigosas. Com os homens. Com as mulheres. Com os carros. Com as apostas. Com a fome.
Com qualquer coisa. Alimentava a palavra.

Tive décadas disso. Agora, mudou. O que preciso agora é mais sutil, mais invisível. É um sentimento no ar. Palavras ditas, palavras ouvidas. Coisas vistas. Ainda preciso de um trago. Mas agora estou em nuanças e sombras.

Sou alimentado com palavras por coisas que mal me dou conta. Isto é bom. Escrevo uma merda diferente agora. Alguns já reparam.

“Você se superou”, é o que me dizem, em geral

Sei o que perceberam. Eu também sinto isso. As palavras ficaram mais simples, porém mais quentes, mais sombrias. Estou sendo alimentado por novas fontes. Estar perto da morte é energizante. Tenho todas as vantagens.

Posso ver e sentir coisas que são escondidas dos jovens. Passei do poder da juventude para o poder da idade. Não haverá declínio. Hã, hã. Agora, com licença, devo ir pra cama. São 00:55. Terminando a noite. Riam enquanto podem…

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