Poema para minha filha (Charles Bukowski)

Estava lendo o livro As Pessoas Finalmente parecem Flores do Charles Bukowski, e me deparei com um poema dele que está intitulado Poema para minha filha.

Ele não chega a dizer um eu te amo exatamente com essas palavras. Embora eu não seja mãe, o conjunto de palavras é tão doce e sincero que você consegue sentir esse amor. Vou te deixar ler:

 

Poema para minha filha do Bukowski

eu lhe dou colheradas:

jantar de lamen de galinha

ameixas para bebê

salada de frutas para bebê.

dou colheradas e pelo amor de Deus não culpem

a criança não culpem o governo

não culpem os patrões ou as classes trabalhadoras – colheradas

nessa boquinha igual a cera derretida

um amigo telefona:

“o que você vai fazer agora, Hank?”

“que diabo você quer dizer com o que eu vou fazer?”

“quero dizer, agora você tem responsabilidades, você tem que criar direito a criança.”

em vez disso eu lhe dou comida:

colheradas!

que ela possa chegar até uma casa em Beverly Hills

sem nunca precisar de seguro-desemprego e nunca tenha que vender para quem lhe oferecer o melhor preço.

e nunca se apaixone por um soldado ou um matador de qualquer tipo.

e que ela possa

apreciar Beethoven e Jelly Roll Morton e lindos vestidos.

ela tem uma chance de verdade:

houve uma vez os

patrocínios atenienses para as artes[1] e agora há a Great Society.[2]

“você vai continuar apostando nos cavalos? você vai continuar bebendo? você vai continuar – ?”

“sim.”

ela está acenando com uma flor ao vento na direção do centro morto do

meu coração – agora ela dorme lindamente como um barco no rio Nilo.

talvez algum dia ela me enterre.

isso seria bonito.

se não fosse uma responsabilidade.

***

[1)Theoric Fund no original; é a Theorica, instituição para custear eventos na Grécia Antiga.

(N.T.)

[2]Subvenções criadas na década de 1960 nos Estados Unidos. (N.T.)

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2 Responses

  1. 29/12/2023

    […] quem gosta de escrever contos, crônicas e poemas, as desilusões do Charles são bem maiores do quesito de qualidade se comparado aos seus tristes […]

  2. 29/12/2023

    […] trecho é um belíssimo desabafo de Charles Bukowski, foi escrito em seu diário no dia 23/06/92 e é uma leitura muito forte. Leia e sinta a comoção […]

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